Comecemos por situar Portugal como um dos países da União Europeia com maior prevalência de problemas de saúde mental. Há algo mais a fazer em prol da saúde psicológica e bem-estar dos portugueses, para que possam lidar eficazmente com os desafios e stressores diários. Mas centremo-nos, por agora, nos dados que a ciência nos tem demonstrado sobre a associação entre saúde psicológica e saúde física.
A literatura científica demonstra que tanto as condições físicas como psicológicas podem ser fatores de risco para o desenvolvimento de diferentes doenças. Por exemplo, sabe-se que ter uma doença ou um problema de saúde física aumenta significativamente o risco de desenvolver problemas de saúde psicológica, sendo as perturbações depressivas e a ansiedade as mais frequentes. Ou que as pessoas com doenças crónicas, comparativamente à população geral, têm risco acrescido de problemas psicológicos. Mas, acontece também o inverso – a doença mental como fator precipitante para o surgimento ou agravamento das condições crónicas de saúde, como a doença coronária. As pessoas que vivem com depressão têm maior probabilidade de desenvolver uma doença coronária, risco esse incrementado naquelas que vivem com elevados níveis de stress ou com uma perturbação de ansiedade (Ex: fobia, ansiedade generalizada, perturbação de pânico). Há evidências de que fatores psicológicos relacionados com a depressão, o stress e a insatisfação com a vida podem aumentar o risco de AVC em 39%; em contexto laboral, o número de horas de trabalho e grau de exigências pode aumentar em 25% o risco de ataque cardíaco. A relação entre saúde mental e a doença coronária pode estar relacionada com vários fatores, como os genéticos: os genes que predispõem a um problema de saúde mental também podem interferir nas condições de saúde física, o que reforça as sucessivas evidências de que os problemas mentais podem surgir com sintomas físicos e que “o corpo e a mente não podem ser dissociados”.
Quantas vezes as queixas depressivas são acompanhadas de dor de cabeça, fadiga e problemas digestivos? Ou a ansiedade é acompanhada de dor de estômago?
Os experientes investigadores irlandeses John Cryan e Ted Dinan descobriram que as bactérias intestinais desempenham um papel fundamental na regulação do sistema nervoso central. Através de uma complexa conexão em rede, intestino e cérebro comunicam de forma complexa (eixo intestino-cérebro), bastando acusar stress para notar desequilíbrios intestinais ou ter um grande desgosto amoroso para sentir fortes dores de estômago. O stress é um fator que afeta todo o organismo e aparece fortemente associado à irritabilidade do cólon, uma estrutura muito importante do intestino. Este órgão está povoado por milhões de neurónios, sendo já popularmente conhecido como o “segundo cérebro”. O número de estudos nesta área tem aumentado de forma exponencial nos últimos anos.
Salienta-se, ainda, a relação entre as experiências adversas na infância (como a negligência, violência doméstica, abuso, etc.), os efeitos psicológicos daí recorrentes e a maior probabilidade de se desenvolverem problemas de saúde física, como doenças cardíacas, respiratórias e cancro.
A relação entre a Saúde Mental e o desenvolvimento de doença física é complexa, existindo a influência de diferentes fatores. Ter um problema de saúde mental não significa, necessariamente, que venha a desenvolver um problema de saúde física! Há ações que pode, ativamente, escolher fazer, que reduzem significativamente o risco de problemas saúde, como adotar determinados comportamentos promotores da saúde, que estão diretamente relacionados com a prevenção de certas doenças, por exemplo, cardiovasculares, musculoesqueléticas ou oncológicas: manter um estilo de vida ativo, seguindo uma rotina de exercício ou atividade física adaptada às suas preferências; respeitar as horas de descanso e sono; manter uma dieta equilibrada. Estes são alguns dos comportamentos que podem depender de si e das suas escolhas e cujo impacto positivo na saúde psicológica está documentado.
Aproveite para refletir até que ponto está a promover a sua saúde psicológica e física e centre-se no que depende de si para melhorar a sua saúde e bem-estar. Afinal, ter Saúde Mental, segundo a Organização Mundial da Saúde, não é só a ausência de doença, mas também poder usar as suas competências e recursos para tomar decisões e responder aos desafios da vida.
Autoria: Raquel Pinheiro